O Caibalion é atualmente um dos livros mais famosos e lidos de ocultismo, esoterismo, misticismo… Mas apesar de tentar a todo custo ser hermético, tendo estabelecido as famosas “sete leis herméticas”, não passa de uma grande “farsa”, que tem mais a ver com “O Segredo” e a infame lei da atração do que com o verdadeiro hermetismo.
Eu já li o Caibalion cerca de 20 vezes pelo menos. No início da minha jornada mística, foi um livro muito especial para mim! Pela primeira vez até então, um livro pequeno e misterioso, escrito oficialmente por “três iniciados”, dizendo carregar toda uma tradição com suas raízes no Egito antigo, mas que ao mesmo tempo parecia ter um diálogo tão moderno, falando sobre vibração, sobre polaridades, causa e efeito!
Era como se os conceitos da ciência pudessem ser aplicados na mente e no misticismo, ou que na realidade fossem uma só coisa! A partir daquele momento, sempre que pensava na palavra “hermético”, “hermetismo”, magia hermética, eu só conseguia associar o Caibalion. Até que resolvi ler o Corpus Hermeticum, um texto autêntico da filosofia hermética, escrita em primeira pessoa, de Hermes Trismegistus à seu discípulo.
E percebi que….
Não se parecia nem um pouco com Caibalion. É um texto da antiguidade, difícil de ler, mas carregado de significado, de profundidade filosófica e espiritual.
Por isso, vamos começar contextualizando o hermetismo:
Depois da conquista do Egito pelo grego/macedônico Alexandre, o Grande e o surgimento da dinastia ptolomaica que se encerrou com Cleópatra, houve uma enorme troca de influências entre o mundo egípcio e o mundo grego, e também misturas de aspectos culturais, arquitetônicos, filosóficos e religiosos, especialmente na cidade de Alexandria, famosa pela lendária biblioteca.
Entre essa confluência espiritual, o Hermetismo como tradição filosófica e religiosa surge. Seu profeta, Hermes Trismegistos, pode ser visto como tanto uma pessoa quanto como um deus sincrético, uma junção de dois deuses da magia, escrita e comunicação, o grego Hermes e o Egípcio Thoth. Como toda filosofia antiga, o Hermetismo nasce em um contexto pagão e politeísta, e cita vários deuses e defende que é virtuoso que os homens os adorem.
Além disso, de forma inédita, diz muito a respeito de Deus como um criador, como aquele que faz parte do todo mas ao mesmo tempo o transcende, aquele que criou até o ato de criar, aquele que não é o um, está além do um, que criou sem ser criado, engendra sem ser engendrado, que é o bem, que é o maior presenteador, sem que nada possa ser presenteado a ele(a).
Adorar e oferendar aos deuses, viver de forma honrada e espiritual, além de uma série de práticas, poderia elevar o indivíduo, fazê-lo se ligar a Deus. O hermetismo dividia o conhecimento principalmente por meio de três partes da sabedoria, a operação do sol, ou a alquimia, a operação das estrelas, ou astrologia, e a operação dos deuses, ou a teurgia.
…por essa maneira fui chamado de Hermes Trismegistus, por possuir as três partes da filosofia universal.
Além de orações, conduta, práticas ritualísticas, cosmologia e cosmogonia, o Hermetismo também defendia a reencarnação e conceitos como bem e o mal, de forma que apenas o foco na vida 100% material poderia ofender a Deus.
O cristianismo inicial se apaixonou por algumas ideias herméticas, principalmente por falar de um Deus acima dos demais, e durante algum tempo se apropriaram de alguns conceitos Herméticos e transformaram Hermes em um contemporâneo de Moisés…
Mas depois veio o divórcio, e a igreja descartou o hermetismo, que permaneceu oculto até a renascença, quando foi resgatado por figuras como Marcilio Ficino e Giovani Pico dela Mirandola. Nessa mesma época a Kabbalah estava sendo reinterpretada em um contexto cristão, e podemos afirmar que parte da filosofia do ocultismo da renascença se constituía principalmente de uma interpretação cristã do hermetismo e da kabbalah, assim como também conceitos de outras filosofias como o neoplatonismo e até o estoicismo. O hermetismo, principalmente, iria se manter muito importante por séculos, e a cada instante ia ganhando mais conotações, incluindo sinônimo de oculto, fechado, secreto e iniciático.
Certo, mas e o Caibalion?
Bem, o Caibalion surge no início do século XX. A autoria é atribuída aos três iniciados, fazendo uma homenagem ao Trismegistus ou talvez induzindo ao erro de achar que se trata da mesma autoria. Na realidade, foi escrito pelo americano William Walker Atkinson, um escritor influente na área de lei da atração, novo pensamento, que viria a influenciar livros como “O Segredo” e o misticismo “quântico” que vemos hoje em dia e a própria nova era, o new age. Além disso ainda escrevia sobre o entendimento que ele tinha sobre o hinduísmo sob o pseudônimo de um místico hindu chamado Yogi Ramacharaka.
Apesar de estar escrito na capa do Caibalion que é um estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia, de dizer que os sete princípios herméticos, a citar:
Mentalismo, Correspondência, Vibração, Polaridade, Ritmo, Causa e Efeito e Gênero
…são o que se baseia TODA a filosofia Hermética, não encontramos verdadeiramente esses princípios, da maneira que é apresentado, na filosofia hermética original, principalmente a vibração, que foi descoberta muito depois.
Li em um site muito interessante uma provocação, de que, caso alguém leia o Caibalion e substitua toda vez que aparece Hermetismo por Taoísmo, cada vez que aparece Egito por China e Hermes por Lao Tsé, não faz diferença alguma para o texto, pois a temática “hermética”, “egípcia” é só um plano de fundo para transmitir outras ideias, outros ensinamentos. O livro “O Homem Mais Rico da Babilônia” NÃO é sobre os antigos povos da suméria, e sim sobre finanças, que utiliza a temática babilônica apenas como um “sabor” para o texto.
O Caibalion se mostra avesso a uma teologia, diz que os deuses na realidade são mortais e sobre as mesmas leis que nós, e tende a identificar deus com o todo. No hermetismo, o papel da humildade, da adoração e desejo de união (divina) é mais acentuado, e a teologia é mais complexa, com um deus que de forma complexa, por vezes é identificado com o nous, e em outras está acima do nous e do logos
O conteúdo do Caibalion é interessante. Devo dizer que concordo com várias conceitos apresentados no livro, apesar de que eu usaria outras palavras e interpretaria de outra forma. No entanto, apesar de praticamente ter apenas uma citação verdadeiramente hermética “o que está em cima é como o que está embaixo”, seu conteúdo tem muito mais a ver com ideias do século XX, com o novo pensamento, com a lei da atração, do que com a tradição hermética, o que é bom deixar claro.
O Caibalion é uma “farsa” na medida em que se proclama, a todo tempo, uma continuidade do pensamento greco-egípcio, ou como o ápice do hermetismo, o que não é. Por ser o livro mais popular de esoterismo (afinal o autor era exímio escritor a respeito de marketing e vendas), costuma ser o primeiro livro que a maioria das pessoas interessadas em esoterismo adquirem… é o livro que faz elas perceberem que existe algo além da matéria, algo sutil, profundo, precioso. Isso é muito legal. No entanto, se é o seu primeiro livro esotérico, espero que não seja o único. Se você se interessa pelo hermetismo, vá além do Caibalion, ele é só o início da jornada.
Adquira por exemplo, essa versão bilingue, em português e grego, do Corpus Hermeticum. Leia o curto texto da Tábua de Esmeralda. Dê uma olhada no paganismo grego e egípcio, para uma maior contextualização do pensamento hermético!
O Caibalion é interessante e reconheço seu papel de ser a a porta de entrada para estudos realmente mais profundos e espirituais, mas não é hermético.
Artigos interessantes (em inglês) a respeito do tema:
O que ler ao invés do Caibalion
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