Um dos conceitos mais importantes tanto do paganismo quanto das diversas práticas ocultas é o animismo, no sentido de estarmos em um mundo cercado de espíritos, inclusive dentro de nossas casas.

Neste texto, vamos explorar a origem dos espíritos domésticos, o que várias culturas dizem a respeito e como você pode estabelecer uma relação com esses seres.

Primeiramente, o que são os espíritos domésticos?

Podemos dizer que são divindades menores, no qual o bem estar da família ou o sucesso de uma fazenda depende.  Eles podem aparecer de uma maneira totalmente abstrata ou com feições definitivamente humanoides, podem morar ou dentro da casa ou na natureza ao redor da casa, são ligados a família ou a membros específicos da família e os seguem pela residência. A tradição diz que toda cabana que possua calor, uma fogueira, lareira, ou seja, que seja habitável, possui um espírito. É da característica desse espírito buscar esse tipo de lugar, ao contrário de outros tipos de espírito da natureza, as florestas, das águas…

Na antiguidade, os deuses domésticos estavam sobre a jurisdição do culto familiar. A deusa mais conhecida associada ao lar era Héstia para os gregos e posteriormente Vesta para os romanos. Ela tem um papel fundamental no culto helênico, é associada ao fogo, a lareira da casa, ou seja, o coração da casa, e toda oferenda feita aos deuses era primeiro feita a ela, um costume era atirar ao fogo da lareira.

Ainda para os gregos antigos, Zeus, o deus pai, era também o protetor da casa e possuía um culto no lar. Como protegia a casa e os recursos da casa e no paganismo um presente pede por um presente, eram feitas oferendas à ele, com jarras cheias de alimento. Associado a Zeus, há o Agathos Daemon (o Bom espírito), que no período Ptolomaico do Egito era considerado uma divindade serpente protetora de Alexandria, mas posteriormente passa a ser um tipo de espírito que protege a casa ou até mesmo um indivíduo.

Do período romano podemos achar vários altares domésticos com basicamente a mesma “figura”, um par de divindades chamadas de Lares, no meio uma figura que representa o Pater Familias, o homem responsável pela casa e pelo culto doméstico e quase sempre a serpente protetora Agathos Daemon. Além desses espíritos, os próprios ancestrais eram cultuados e eram responsáveis por trazer a prosperidade e proteção da casa, isso é possível observar tanto entre os greco-romanos como também celtas, germânicos, africanos, asiáticos… o culto aos antepassados é universal!

Por enquanto, temos a presença de deuses associados ao lar e seus representantes, espíritos separados que cuidam da casa e da linhagem, mas ainda nada que se pareça com um “gnomo”, exceto talvez Bes, um deus egípcio com essas mesmas funções de proteção do lar e de quebra com uma aparência de gordinho baixinho barbudinho que sem dúvida me faz pensar nos anões e gnomos europeus.

Quando a era pagã chegou ao fim, depois de muita luta do cristianismo para banir qualquer tipo de culto doméstico de outros deuses, nas áreas rurais isso continuou e principalmente o culto a esses espíritos da casa continuou e continua até hoje, com outra roupagem. Há quem diga que para os antigos pagãos, as divindades menores, espíritos, eram mais cultuados que os próprios deuses, por estarem mais próximos aos humanos.

Nos países germânicos esse espírito doméstico geralmente é atribuído o nome genérico de anão (dwarf em inglês, zwerg em alemão) e consideram-nos equivalentes ao pigmeu de textos latinos. Na idade média esse termo foi atribuído a diversos tipos de espíritos, desde sátiros a duendes. No século XV a maioria das pessoas acreditavam que cada casa possuía seu próprio anão ou gnomo que trazia fartura e aumentava o prestígio de quem os honrasse.

No século 13, um advogado inglês escreveu:

“Assim como a natureza produz certas maravilhas no mundo dos humanos, também os espíritos perpetram suas brincadeiras em corpos humanos feitos de ar, que eles colocam com a permissão de Deus. Por exemplo, a Inglaterra tem certos demônios (embora eu admita que não sei se devo chamá-los de demônios ou fantasmas misteriosos de origem desconhecida), que os franceses chamam de ‘netunos’ e os ingleses de ‘portunes‘. Faz parte da sua natureza sentir prazer na simplicidade dos camponeses felizes.”

Desde essa época já é mostrada a questão da invisibilidade desses espíritos, que não estão sempre visíveis.

Até mesmo no século XIX foi relatado em como camponeses gratos faziam roupas para esses espíritos domésticos que auxiliavam nas tarefas, que comumente utilizavam de trapos no lugar de vestimenta. No entanto, ganhar roupas fazia com que esses espíritos fossem embora, o que não era o que se esperava. Já viu isso em algum lugar?

Uma história alemã do século XVI conta que um tecelão recompensou um gnomo por seu serviço oferecendo-lhe um par de sapatos e uma blusa preta, que aceitou com gratidão. Mais tarde, ele deu de presente um chapéu vermelho, que o gnomo recebeu com relutância antes de partir, para nunca mais voltar. Aqui é a cor vermelha que obriga ao desaparecimento do espírito, tema muito difundido nos países germânicos, e talvez seja uma possível origem para a iconografia do gnomo com o chapéu pontudo vermelho.

A aparência do espírito doméstico é complicada e depende do folclore. Hoje em dia é fácil imaginar como um ser barrigudinho de chapéu pontudo como esse, representado nesse livro. Inclusive, essa é a representação mais conhecida por nós hoje em dia.

Nesse livro clássico em capa dura, o autor na época imaginou toda uma cultura e biologia dos gnomos. É um livro de fantasia, apesar de ser baseada na tradição desses espíritos, mas mesmo assim é fantástico, repleto de ilustrações belíssimas.

Dependendo da região, pode ser uma criaturinha coberta de pelos, com garras, que se transforma em animal… existem inúmeras histórias e diferentes aparências:

  • Para os escoceses a criaturinha se chama Brownie, e de noite ajuda nas tarefas domésticas enquanto as pessoas dormem e só precisa de comida, ou leite, geralmente deixado próximo a lareira. No entanto, se sentem ofendidos com facilidade e podem fazer travessuras. São feios, de pele marrom, e se vestem de trapos. Se uma pessoa tenta batizar ele ou presentear com roupas, ele vai embora e nunca mais volta.
  • O Hobgoblin dos ingleses é praticamente idêntico na descrição.
  • O Kobold da Alemanha é parecido também, frequentemente invisível, mas pode se transformar em animais, humanos, e até mesmo em fogo. Além da casa, os Kobolds habitavam navios e minas, inclusive o metal cobalto possui esse nome por conta dos Kobolds. É um espírito que ajuda e prega peças.
  • Os Tomtenisse dos escandinavos também eram bem parecidos na descrição, e tinha um perfil bem “conservador”, eram guardiões do lar e da fazenda mas não gostavam de mudanças, podiam ficar de mal humor fácil e se fossem ofendidos poderiam pregar peças e até matar animais da fazenda.
  • Na tradição eslávica temos o Domovoy, costuma ser representado como um velho peludo, as vezes com chifres, as vezes com rabo, que tem o poder de se transformar em animais. Também é um guardião da casa, fornece prosperidade ou prega peças.
  • Em Portugal e Espanha temos o Duende que é muito conhecido por nós, cuja origem do nome pode vir literalmente de dono (dueño) da casa, mas que também tem sua função nos bosques, em que nas lendas atrai as crianças para as florestas e as fazem ficar perdidas.
  • Por último, uma figura que não costuma estar associada nessa mesma categoria de espíritos é o Saci brasileiro. Sua pele é negra ou marrom tal como os Brownies são descritos. Utiliza um chapéu vermelho tal como os gnomos. Pode realizar desejos ou fazer travessuras, então é inegável a semelhança com outras figuras de outros folclores…

Como aplicar esse conhecimento:

Entender que tudo ao nosso redor tem espírito, os japoneses por exemplo acreditam que até objetos, espadas, guarda-chuvas possuem um espírito. Ter um sentimento de gratidão pela nossa casa, mantê-la organizada, honrar esses gnomos que podem viver nela ou até mesmo nossos ancestrais, nossa família que não está mais entre os vivos mas sempre presente protegendo nossa linhagem…

  • Para um católico é recomendável ter um santo específico escolhido para cuidar da casa.
  • Para o pagão helênico ou romano, o culto a héstia, vesta, ter um lararium e fazer libações é algo de extrema importância.
  • Para o pagão germânico, asatru etc, além dos deuses, os espíritos da terra “landvaettir” e os espíritos da casa “Húsvaettir” são honrados, respeitados e recebem oferendas.
  • A bruxa mantém um relacionamento com espíritos chamados de “familiares”, que podem estar encarnados em animais ou serem totalmente espirituais. De toda maneira, precisam cuidar e manter essa relação.
  • Muitas pessoas hoje em dia possuem casinhas de gnomos dentro de casa, estátuas de gnomos e oferecem leite, biscoito, mel, etc, e é igualmente válido.

Afinal, todo relacionamento, seja com pessoas ou espíritos é uma via de mão dupla. Presenteie se quer ser presenteado, ou desrespeite e seja desrespeitado.

Se você sabe inglês, esse é o melhor livro sobre o assunto de espíritos domésticos. Grande parte desse texto foi baseado no conteúdo desse livro, que justamente aborda o assunto em “360 graus”, dá um panorama detalhado da tradição do culto aos ancestrais em diversos lugares e épocas da Europa.