O estoicismo é uma filosofia muito preciosa e fico feliz que esteja tão popular hoje em dia. No entanto, como ocorre com todas as coisas que se popularizam, o estoicismo moderno é frequentemente simplificado de uma maneira a se tornar uma caricatura de “homens másculos e musculosos” ensinando como superar o fim de um relacionamento. Poucos sabem que a filosofia estoica trata de temas que vão além disso, uma verdadeira filosofia com uma cosmologia própria, um lado esotérico do estoicismo!

Sabemos que o ocultismo ocidental tem fortes influencias da filosofia, especialmente o platonismo e o hermetismo… Agora o mais surpreendente é pensar em influencias do estoicismo no esoterismo, já que é considerada por muitos atualmente como uma filosofia tão racional e pautada na ação e na virtude, que qualquer associação de algo místico com a filosofia estoica poderia ser inimaginável.

Bom, vamos para uma breve contextualização do estoicismo:

É uma filosofia helenística fundada por Zenão de Cítio, que de acordo com as lendas, era um mercador que teve seu navio naufragado perto de Atenas. O destino acabou o levando a encontrar e aprender com um filósofo da escola cínica, Crates, que o tornou seu mestre. Além do cinismo filosófico, estudou dialética, a escola megárica, e filosofia platônica, que certamente influenciaram sua filosofia, que originalmente era conhecida como zenoniana, mas acabou se tornando “estoica”, pois ensinava nas estoas, ou seja, o nome que se dá a um corredor de colunas.

Da fase grega, não sobraram muitos escritos estoicos, apenas fragmentos, mas quando se popularizou no império romano, com Epicteto, Sêneca e especialmente o imperador  Marco Aurélio, é daí que temos a maior quantidade de material sobre estoicismo que sobreviveu até os dias de hoje. Antes do cristianismo, o estoicismo era a filosofia mais popular e influente do mundo greco-romano, especialmente no império romano que era tão focado em assuntos burocráticos, práticos, administração pública…

As principais e populares características dessa filosofia, que hoje em dia temos de forma tão divulgada, é a busca de levar-se uma vida virtuosa, pautada na ética e auto controle, aceitar aquilo que não podemos mudar e focar naquilo que pode ser feito, aceitar corajosamente o destino e a morte, e ter uma visão mais racional, avaliar os sentimentos e os manter sob controle.

Mas toda filosofia antiga, além da parte comportamental, ética, conduta, também se propunha a responder questões como de onde viemos e pra onde vamos, em uma cosmovisão, cosmogonia própria.

No caso do estoicismo, o cosmos é finito, com a terra, sol, lua, planetas e estrelas, mas rejeitavam a ideia de um vácuo, um vazio, pois para eles, tudo era conectado de alguma forma. Lembre-se dessa informação. Antes do cosmos, no entanto, existia o pneuma, o sopro, espírito, a substância que é origem de tudo, é a força criativa, ou seja, “deus”, que tudo criou e moldou. A criação do universo começa com o fogo, que tudo molda, e da mesma maneira, tudo irá destruir, no fim dos tempos.

No estoicismo, deus como substancia original, dava origem ao universo, os deuses, a natureza, o ser humano, e ao mesmo tempo tudo era composto desse deus-substância. No entanto, não restam muitas orações estoicas de apelo aos deuses, pois viam que não era algo muito necessário em um universo racionalmente ordenado, mas tinham práticas meditativas… Até mesmo por isso já vi sendo comparado com o Zen Budismo, ou seja, o estoicismo como uma espécie de “budismo do ocidente” ou vice versa.

A filosofia estoica original é monista, ou seja, tudo é um, panteísta, deus, como princípio, é a natureza e toda a realidade, também é materialista, atribuindo um corpo físico até mesmo para conceitos como “justiça” e “sabedoria”, além da dinâmica dualista de ativo e passivo, que tudo o que existe é capaz de agir ou receber ação. O cosmos material, no entanto é preenchido com o pneuma, com o sopro divino, que é racional e ordena a realidade.

Ok, entramos em uma parte muito filosófica, mas e a “bruxaria”, “ocultismo” etc?

Vamos lá, as principais contribuições do estoicismo para a cena esotérica ocidental estão principalmente no perenialismo, hermenêutica e correspondências. Explico:

É comum que quando pensamos nos primeiros humanos, hoje em dia, que nós os consideramos como… burros, sem conhecimento, ingênuos, a partir de uma biologia evolutiva, que coloca os seres como se tornando mais complexos depois de muitas gerações. Em algumas filosofias, o homem primitivo é uma “tabula rasa“, sem conhecimento, até que esse entendimento, razão, foi sendo construído ao longo das eras.

Para os estoicos, o caso era justamente o contrário!

O entendimento estoico é que os primeiros humanos, que surgiram do fogo criador, eram profundamente capazes intelectualmente, e de natureza semi-divina, com capacidades e sentidos profundos, capazes de compreender o cosmos de forma precisa, sem falhas e sem dúvidas.

Eram considerados muito superiores em todos os sentidos, do que os homens da época e consequentemente de hoje em dia. Inclusive defendiam que a primeira linguagem surgiu diretamente do contato do homem com a natureza profunda,  com a natureza divina, sendo a linguagem e a natureza conceitos ligados.

Por isso a filosofia estoica era tão preocupada com a linguagem, o significado das palavras, como uma forma de encontrar uma origem profunda das palavras, que poderia revelar a real natureza da… natureza, que era vista de forma divina pelos estoicos.

As verdades primordiais, para os estoicos, estavam preservadas principalmente por meio da filosofia da natureza, das leis e dos mitos religiosos. Especialmente os mitos eram vistos como extremamente importantes, por serem superiores à simples narrativa, pelo profundo caráter épico, que carregavam verdades que precisavam ser interpretadas e compreendidas.

Por meio da linguagem e do estudo dos mitos era possível exercer a piedade no sentido espiritual, e decifrar um entendimento divino por trás dessas histórias de acontecimentos, heróis e deuses. Os estoicos foram pioneiros em defender interpretações não literais das histórias, mas como formas de se conectar espiritualmente…

Então até aqui, é possível observar conceitos importantes do estoicismo que viriam a influenciar o perenialismo ou filosofia perene, que é o que busca identificar a verdade que une todas as religiões, algo que posteriormente iria ser mais desenvolvido por ocultistas como René Guenon e Blavatsky, por exemplo.

Ou seja, que analisar as diversas crenças poderia dar origem a um “corpo teórico” que é comum a todas elas, que existe uma verdade que é expressa em todas as espiritualidades. Não só isso, mas a busca pelo significado das palavras, e a linguagem como algo que pode levar a compreensão da natureza, acaba sendo uma das bases de várias tradições esotéricas, em que descobrir o real nome do objeto, do espírito faria com que fosse possível controla-lo…

Ou a forma como os nomes dos espíritos são “descobertos”, com os quadrados mágicos e o nome de anjos na magia enoquiana… Não só isso, mas a mitologia enoquiana de ser a linguagem original dos anjos, a temática da busca de encontrar qual a verdadeira língua de origem divina, a língua dos anjos, a língua única, primeira e original antes da Torre de Babel, aparentemente surge com os estoicos. Os mesmos defendiam que a linguagem mais arcaica teria mais poder, e hoje em dia na magia vemos justamente as línguas mais antigas sendo usadas dessa forma, como o latim, o grego antigo, o hebraico, o norueguês antigo, no caso de práticas nórdicas, etc.

A interpretação dos mitos também, de querer descobrir elementos ocultos nos textos sagrados, que é algo que tanto vemos no ocultismo, parece ter uma origem estoica. Engraçado pensar isso de uma filosofia que hoje em dia é vista como tão “”racional”” e que alguns defendem como sendo até “ateísta”, não é mesmo? A busca pela natureza divina das coisas…

A última ligação estoica com o ocultismo é justamente… a ligação entre as coisas! Veja, os estoicos acreditavam em um principio ordenador, em um pneuma que ligava os objetos e mantinha a natureza racionalmente coesa. O pneuma não só ligava as coisas, como também espalhava sinais, símbolos na própria natureza, para serem interpretados.

Dessa maneira, o sábio poderia observar o leão e por meio da compreensão, associá-lo como um representante do sol, pela semelhança. E identificar tanto o leão e o sol com o ouro também! Veja que essa ligação entre coisas aparentemente não ligáveis, especialmente correspondência de plantas com planetas, animais, minerais… parte de uma perspectiva do estoicismo em querer compreender as pistas e os sinais deixados pela inteligência divina.

Não é atoa que as plantas correspondentes de marte, o planeta agressivo, são por exemplo a pimenta e plantas espinhosas, também agressivas. Então um dos conceitos mais importantes do ocultismo, as tabelas de correspondências entre coisas, aparentemente surge formalmente com o estoicismo, que chamava de “simpatia”, simpatheia, algo nesse sentido.

Muito além de estátuas musculosas e frases de efeito que ajudam os homens a superarem a tomar um fora de uma mulher, por exemplo, o estoicismo se mostra surpreendentemente uma fonte importante que iria influenciar o ocultismo e a magia por vários séculos, até os dias de hoje. É possível, então, ser um místico e um estoico, e certamente um conhecimento beneficiaria o outro.

COLEÇÃO BIBLIOTECA ESTOICA (clique nas imagens):

(O roteiro deste texto foi fortemente baseado em um vídeo de mesmo tema do canal “ESOTERICA” do Dr Justin Sledge)